Ficção
Maria José da silveira Núncio
O que se cala é como se não existisse
Maria José da Silveira Núncio
Alice escolheu adiar o tempo e viver das memórias que atesoura com desvelo, misturadas com essas outras lembranças, que ela não quer que existam e que, ainda assim, teimam em se fazer presentes, sem que Alice tenha força para lhes resistir.
As memórias que a transportam do seu Alentejo natal, rude, pobre e explorado, até um bar de prostituição, em Lisboa, para, finalmente, lhe darem a paz, num apartamento antigo, onde ela se (re)constrói em fantasias, nas quais o presente, o passado e o futuro se misturam, deixando de ter sentido, ou razão de ser.
Esta é uma história de violência e de medo, de sonhos e de perdas, mas também, de redenção. Uma história com muitas histórias dentro, que homenageia as tantas Alices que aguentam, sempre. Que calam, sempre. Porque assim lhes ensinaram. Porque assim teria de ser. Porque, afinal, o que se cala é como se não existisse!
Calor
Maria José da Silveira Núncio
Ou então recordo o calor, espesso e tangível, dessa tarde, porque talvez seja a esse calor que eu atribuo a culpa pelo meu comportamento daqueles dias: um comportamento inteiro, sanguíneo e visceral.
Na noite da prisão, tendo por pano de fundo os sons e os cheiros da essência humana, um velho escritor, consagrado e premiado, recorda a sucessão de dias que, nove anos antes, conduziram a um trágico desenlace. Nessas recordações estão também vidas, tantas vidas, e estão, sempre, as palavras (ou o desespero da sua falta), o seu sentido e as suas razões.
Brincadeiras de irmãs
Maria José da Silveira Núnci(...)
«E, por vezes, dava-me ideia de que tu, que és a minha irmã, sabias. Que, apesar do meu silêncio e das palavras que não se desprendiam, estranguladas na garganta, tu sabias.»
Partindo da morte de um antigo primeiro-ministro, figura prestigiada e reconhecida na sociedade, desvendam-se os segredos familiares que, em noites longas e corredores escuros, engendraram a complexa relação entre duas irmãs, presas numa teia de silêncios e entreditos, em que se confundem amor e raiva, medo e culpa, vingança e perdão.
Demência
Célia Correia Loureiro
Numa pequena aldeia beirã, duas mulheres de gerações diferentes leem o seu destino nas mãos de um mesmo homem: Letícia foi vítima de um marido ciumento e manipulador, e Olímpia é a mãe extremosa desse agressor.
Mas quando Letícia regressa para assistir Olímpia, aos primeiros sinais de demência, os traumas que traz na bagagem ameaçam estilhaçar o silêncio conivente dos aldeões. Ainda que ostracizada, Letícia esforça-se por esquecer os tumultos do seu casamento, enquanto Olímpia pede ajuda ao amigo de infância, Sebastião, para reconstruir as próprias memórias e entender o que se passou com o seu único filho.
Demência traz-nos, através das vivências destas duas mulheres, a dura realidade de um Portugal rural e ainda tendencioso, e faz-nos repensar o significado de família e de comunidade, de inocência e de culpa.
Isabel Tallysha-Soares
Da Gaveta
Isabel Tallysha-Soares
Onde os nomes não interessam, a geografia é um estado mental e a mãe vive numa gaveta, ela parte para parte incerta apenas para obedecer à voz que a chama sem que saiba para onde. Na bagagem leva a chave do gavetão que a aguarda quando o fim chegar. Conhece-o a ele, que talvez seja quem a chame desde sempre, num país de vivos que cultivam mortos. Desce às profundezas da terra procurando-se a si própria. Resgata-se e quando deixa de pensar na chave do gavetão e na gaveta onde a sua soberba mãe habita, descobre, por fim, quem a chama.
Da Gaveta é um romance sobre procuras e encontros, uma viagem pessoal em busca da identidade própria e uma reflexão sobre dicotomias inultrapassáveis: passado e presente, Oriente e Ocidente, vida e morte. Quando as regras são quebradas e a liberdade é a meta suprema, não precisamos de nomes nem de pontos cardeais para chegarmos ao que interessa, a verdade de nós. E a verdade é tão fácil...
Eu, do Nada
Isabel Tallysha-Soares
Esta é a história de um local que resistiu às eras sendo Nada, uma quinta onde, na peculiaridade do nome, sempre se negociou vida e transcendência com a naturalidade do dessassombro. É a história de Luísa, feita varão do Nada, nascida Matilde em 1911. É a história de um país interseccionando-se no quotidiano rural de uma Casa grande de vinho e pão, sobrevivendo às Invasões Francesas, a ciclones, ditaduras, fantasmas e outros bichos, sobrevivendo à dor e à perda da sucessão de tempo atrás de tempo. Sobreviverá o Nada a Luísa? Ou tornar-se-á Luísa uma réplica de Máxima, a Senhora que vive na distância altaneira do segundo andar da Casa do Nada?
Baseado em factos reais.
O Homem Manso
Isabel Tallysha-Soares
A História esquece os homens que fazem História. Esta é a vida de D. Rodrigo Cid d’Oliveira Gaetán de Cormorão e Pesanha, 8.º Conde de Monte-Chão, o homem manso.
Boémio na vida, humanista na alma, D. Rodrigo vê mais propósitos na sua existência do que os de assegurar a continuidade da linhagem e zelar pelo vasto património ganadeiro.
Para se afirmar Homem, alista-se como voluntário da Legião Francesa partindo para a sanguinária Guerra do Rife em Marrocos, onde convive com Franco, o futuro Generalíssimo de Espanha, e com o Marechal Pétain, o herói gaulês dos campos de batalha da Grande Guerra.
Chamam-lhe Monty, o bravo soldado lusitano que perde o dedo do pé desafortunadamente e que encontra entre os Berberes do Atlas a mesma simplicidade campestre do viver das gentes da sua Alenquer-natal. Mais tarde, trabalhará como correio para a Resistência Francesa e será como Graf von Niedrigsberg, o seu nome perante as autoridades do Reich, que salvará compatriotas lusos deixados ao abandono pelo Estado Português às portas dos campos de concentração.
Esta é a história de D. Rodrigo, pai de filhos de paternidade duvidosa, marido amante de Dona Maria da Penitência, a imponente filha da Freirinha, solene santa-viva, e do bardo D. Flávio Sabugosa de Brito, autor aclamado das excelsas Elegias às Árcades Briosas. Esta é a vida de um homem bom, cuja mansidão indomável se fez vida agigantada em memórias futuras que a História (quase) esqueceu.